Os Novos Movimentos Religiosos
Pe. Alberto Garuti
Desde o século passado, mas, sobretudo neste e em várias partes do mundo, um fenômeno de múltiplas implicações tem sido objeto de interessantes análises: os novos movimentos religiosos.
Nos últimos anos - com uma difusão cada vez mais fácil e rápida - eles têm conquistado milhares de pessoas, inclusive fiéis das religiões tradicionais.
Por que esses movimentos crescem tanto?
Entre as causas mais freqüentes para justificar tantas adesões, poderíamos citar algumas:
1.º Muitos acham que os novos movimentos satisfazem necessidades fundamentais:
- de certezas, de respostas simples a perguntas complicadas e de orientações claras sobre os problemas da vida;
- de resolver os problemas mais urgentes do cotidiano , como saúde, família e emprego;
- de harmonizar corpo e alma, de experimentar um clima de entusiasmo que dê a impressão de atingir o divino;
- de realização pessoal, de buscar quem nos valorize, ajudando-nos a descobrir quem somos de verdade;
- de transcendência e de uma resposta às questões últimas da existência;
- de direção espiritual por parte de um chefe carismático, ao qual é oferecida, muitas vezes, devoção total e absoluta;
- de participar de um grupo que permita intervir nas decisões em todos os níveis e estimule uma devoção total.
2.º O protesto contra a ordem constituída, muitas vezes representada pela Igreja católica.
3.º O desejo de pertencer a uma igreja mais fiel ao Evangelho faz com que muitos recusem a atual, por causa de suas riquezas, do escândalos e erros do passado.
4.º O clima de expectativa devido ao aproximar-se do ano 2000.
5.º Para alguns movimentos, a atração do Oriente alia-se à necessidade de preencher o vazio deixado pela sociedade consumista ocidental.
6.º O desejo de um estilo de oração menos formal e estática, mais alegre e que envolva toda a pessoa.
7.º A pregação entusiasta e insistente dos membros de muitos desses movimentos e o trabalho intenso e contínuo de recrutamento que os mesmos fazem.
8.º O fato de muitos desses movimentos recorrerem com freqüência à Bíblia suscita profundo interesse e dá credibilidade à proposta.
Vários desses motivos podem encontrar-se na base da opção que as pessoas fazem para um desses novos movimentos. Alguns deles estão, de certo modo, ligados ao cristianismo e foram fundados por pessoas provenientes de alguma denominação protestante. Outros apresentam características mais esotéricas. Neste fascículo,apresentaremos os principais movimentos do primeiro grupo.
As testemunhas de Jeová
O movimento foi fundado por Charles Taze Russell (1853-1916), nascido em Pittsburg, nos Estados Unidos, de família protestante, que aderiu aos adventistas e mais tarde se separou deles, formando sua própria organização. Russell estava convencido de que o método de análise bíblica de Miller, o fundador dos adventistas, estava certo, ainda que tivesse errado a data da segunda vinda de Cristo à terra.
Refez seus cálculos, sempre a partir de textos sagrados, e achou que Cristo voltaria em 1874, de maneira invisível, para, em seguida, aparecer publicamente em 1914. Os cálculos foram feitos de novo e a data mudou para 1918. Mas Russel faleceu antes, em 1916, e seu sucessor, Joseph Franklin Rutheford, transferiu-a, afirmando: "Podemos esperar em 1925 ser testemunhas da volta de Abrãao, Isac, Jacó e outros crentes do Antigo Testamento, despertados e restaurados numa natureza humana perfeita para serem os representantes da nova ordem de coisas sobre a terra".
Como a profecia, em 1925, mais uma vez não se realizou, Rutheford preferiu deixar de fixar datas e assumir um discurso mais vago, afirmando próxima a vinda de Cristo e a ressurreição dos mortos.
O movimento, que o fundador chamou Torre de Vigia, a partir de1931, passou a se chamar Testemunhas de Jeová.
A doutrina
O ensinamento das Testemunhas de Jeová pode assim ser resumido:
- a Bíblia é reconhecida como Palavra de Deus, interpretada subjetivamente e de modo literal;
- só existe um Deus, que chamam pelo nome hebraico de Jeová. A Trindade não é aceita porque dela não se encontra fundamentação alguma na Bíblia. Disse Russell: "A doutrina da Trindade é inacreditável e nada lhe pode dar sustentação";
- Jesus Cristo seria o Filho de Deus, mas não eterno nem criador de todas as coisas: "Nosso Redentor existiu como espírito antes de se fazer carne e viver entre os homens". Nessa fase, teria sido conhecido como Miguel Arcanjo;
- o Espírito Santo seria a força ativa e invisível de Deus que impulsiona seus servos a fazerem o bem, mas não seria uma pessoa distinta das outras duas;
- o pecado original é admitido e teria trazido a morte aos descendentes de Adão, deixando marcas mais ou menos profundas na natureza humana;
- o homem não possui alma imortal, portanto, a morte é o fim de tudo, ainda que admitam a ressurreição dos mortos que não seria a reunião da alma ao corpo e sim a criação de um novo ser;
- Cristo, depois de sua segunda vinda à terra, reinará por mil anos ( conforme uma interpretação ao pé da letra do livro do Apocalipse 20,6). Esse período terminará com uma batalha final, a de Armagedon (mais uma interpretação ao pé da letra do Apocalipse 16, 16) a ser travada entre Cristo e seus inimigos, chefiados por Satanás. Os bons entrarão para a vida eterna que está garantida para 144 mil eleitos, escolhidos somente entre as testemunhas de Jeová, e reinarão com o Cristo no céu celeste.
Tal número é devido a outra interpretação literal de um trecho do mesmo livro (14, 1-3). Os maus serão destruídos, junto com o diabo e todos os anjos que o acompanharam. Por isso, o Inferno não existe para as Testemunhas de Jeová. O inferno de que a Bíblia fala seria o túmulo. Os bons que não estiverem entre os 144 mil escolhidos permanecerão aqui na terra, considerada o paraíso terrestre, mas já purificado, pois todos os maus foram eliminados;
- depois da ressurreição de Cristo, o diabo se pôs a trabalhar e suas obras seriam o papado, todas as igrejas protestantes e todos os padres e pastores, considerados inimigos de Deus e anticristos.
As testemunhas de Jeová não aceitam os sacramentos e só reconhecem o Batismo, visto apenas como cerimônia para festejar o ingresso dos novos membros na sociedade. Sua moral é bastante rigorosa: opõem-se às transfusões de sangue, com base em mais uma interpretação ao pé da letra da Bíblia ( Gênesis 9, 3-5), pois a vida reside no sangue e pertence a Deus. São contrárias ao fumo, às bebidas alcoólicas, à troca de presentes ( quem dá, espera receber), a várias festas, como o Natal e o dia das mães, aos aniversários e ao serviço militar. Dizem que os governos civis são obra do demônio, mas necessários para evitar a anarquia.
Atividades pastorais
As Testemunhas exigem engajamento e participação ativa de todos os seus membros: cada um é pregador e deve levar aos outros a palavra de Jeová.
Dão muita ênfase à literatura: publicam livros, revistas e folhetos em mais de 80 idiomas.
Todos os membros têm de participar na distribuição desse material, visitando as pessoas de casa em casa. Mas não devem se satisfazer só com a venda: depois voltam para dar explicações ao comprador, à sua família, aos vizinhos que se interessam, no intuito de convertê-los à nova religião.
Celebram em grandes concentrações que impressionam o povo e estimulam seus membros a fazerem esforços maiores.
Os Mórmons
A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias foi fundada por Joseph Smith (1805-1844) nos Estados Unidos, a quem foi revelado, em 1820, através dos anjos, que iria descobrir placas de ouro escondidas nas quais estavam a história do povo de Deus na América e os sinais da nova religião. Em 1827, ele achou duas pedras com estranhos caracteres que, interpretados, deram origem, em 1830, ao livro da nova religião, The Book of Mormons. Depois da publicação do livro, um anjo levou as pedras que nunca mais foram vistas.
No livro lê-se que uma parte do povo judeu, iluminada pelo profeta Lehi, teria migrado para a América do Norte, pouco antes que Jerusalém caísse sob os golpes de Nabucodonosor, rei da Babilônia. Um dos reis desse povo, Mórmon, teria deixado essa história gravada sobre as duas placas de ouro que, em seguida, foram encontradas e traduzidas por Smith.
Uma parte do livro narra a visita que Jesus Cristo teria feito, após a ressurreição, justamente à porção de seu rebanho que se encontrava na América do Norte.
A doutrina
Para os mórmons, Deus tem corpo e é casado e tanto ele como os homens estão em constante evolução. Deus está sempre à frente dos homens. Se o homem chegar ao ponto onde Deus está, ele merece ser chamado de Deus.
Jesus Cristo é o salvador e mediador entre os homens e Deus.
Só a doutrina dos mórmons salva e essa salvação pode acontecer mesmo depois da morte, pelo batismo póstumo, isto é, um batismo ministrado por uma suposta procuração dada pelos defuntos aos seus descendentes. Assim, quem nesta vida não pôde conhecer a doutrina da revelação dos mórmons, poderá ser salvo pelo batismo que lhe foi ministrado, quando já se encontrava na outra vida, por um de seus descendentes ainda vivo. Mas é preciso ter certeza de que quem batiza é um verdadeiro descendente. Por isso, nos Estados Unidos, existe o maior arquivo genealógico do mundo, inteiramente microfilmado, onde o parentesco é meticulosamente examinado em tabelas genealógicas.
Sede central dos mórmos em Salt Lake City - E.U.A. |
Na ceia comemora-se a redenção feita por Cristo, mas Cristo não está presente. Nela são utilizados pão comum e água, pois os mórmons são contra o álcool.
Admitiam a poligamia, chamada por eles de "matrimônio celeste", permitida por motivos especiais, como, por exemplo, para proteger mulheres viúvas depois das guerras.
Por causa dessa prática, tiveram dificuldades com o governo dos Estados Unidos e acabaram aceitando, em 1890, as disposições da autoridade civil que a proíbe.
O homem é uma união de espírito pré-existente e corpo terrestre e essa união representa um progresso, pois o corpo é, para eles, superior ao espírito.
O adultério é o pecado mais abominável e não são admitidas relações sexuais antes do casamento.
O dízimo é obrigatório: 10% do salário anual deve ser pago à igreja.
A comunidade mórmon orienta seus fiéis tanto no plano espiritual como no material, prescrevendo até o que se pode e não se pode comer. Por exemplo, estão proibidos o fumo, o álcool, o café e o chá.
Concentrados especialmente no estado de Utah, onde formam a grande maioria, e porque são sóbrios, trabalhadores e muito organizados, transformaram o que era praticamente um deserto numa região fértil e produtiva.
Suas missões para o exterior são muito organizadas e fartamente subsidiadas.
Os Pentecostais
Talvez o pentecostalismo seja o movimento que mais influencie as manifestações de religiosidade que acontecem hoje, em muitas partes do mundo: de umas décadas para cá, a maioria das Igrejas que mais crescem é de matriz pentecostal.
Esse movimento surgiu praticamente dentro da Igreja metodista, cujo fundador, Jonh Wesley, estabelecera uma distinção entre os cristãos comuns e os santificados, isto é, os batizados no Espírito Santo.
A partir dessa idéia, surgiu, no século XIX, dentro do metodismo, o movimento chamado "Holiness" (santidade), que visava a reavivar a fé de seus membros, pois julgava que os metodistas estavam se afastando dos ensinamentos de seu fundador. Por isso, ensinava que, para a salvação, era necessária a conversão e, em seguida, uma nova e mais profunda experiência religiosa: o "batismo no Espírito Santo".
No começo deste século, nos Estados Unidos, o pastor Charles Pharam aceitou as idéias do Holiness, ensinando-as na escola de estudos bíblicos que ele mesmo dirigia em Topeka, Kansas. Os alunos que concordavam com essas idéias acreditavam ter recebido o Espírito Santo e sentiam-se guiados em suas vidas pelo mesmo Espírito. Estava nascendo a primeira congregação pentecostal que se distinguiu logo dos grupos Holiness pela convicção de seus membros de que o sinal característico de ter recebido o Espírito Santo fosse o dom das línguas, por causa de uma interpretação ao pé da letra de alguns trechos dos Atos dos Apóstolos (2, 1-12; 10, 44-48; 19,17). A esse fenômeno se acrescentou mais tarde, como sinal da presença do Espírito Santo, o da cura das doenças. Surgiram assim comunidades de pessoas que aspiravam a esses dons do Espírito e que, sem pretender fundar uma nova denominação religiosa, desejavam levar um pouco de renovação às comunidades metodistas e protestantes em geral.
Mas o entusiasmo exagerado e a exaltação dos membros, já visível nas primeiras congregações pentecostais, levantaram suspeitas entre as comunidades batistas e metodistas que começaram a desconfiar dessas novas tendências e afastaram-se do movimento.
Os pregadores se utilizam de praças, estações de metrô, calçadas para suas pregações |
Sentindo-se rejeitadas pelas denominações tradicionais, as novas comunidades acabaram formando um movimento próprio. Foram chamadas "pentecostais" pois o ponto central do movimento é o batismo no Espírito, recebido como num segundo Pentecostes.
Fundamentalmente, vemos nesse movimento, além do entusiasmo e da exaltação, o mesmo anseio que está na origem do protestantismo nos Estados Unidos: o desejo de liberdade, de não depender de uma Igreja institucionalizada, de fundar comunidades mais livres, justamente o que fizeram os que, em 1620, fugiram da Inglaterra no navio "Mayflower", pois se sentiam sufocados pela Igreja do Estado, a anglicana.
A doutrina
A breve história do movimento, que ainda não completou um século de vida, mostra que nenhuma denominação protestante está sujeita a divisões e subdivisões como os pentecostais.
Assembléia de Deus, Congregação Cristã do Brasil, Igreja do Evangelho Quadrangular, Deus é Amor, Igreja Universal do Reino de Deus, todas muito conhecidas no Brasil, são algumas das muitas denominações que surgiram tendo como base os princípios do pentecostalismo.
Características das igrejas pentecostais
Apesar dessa divisão, alguns aspectos caracterizam o movimento pentecostal e estão presentes em muitas denominações que vieram em seguida:
- a importância dada ao
batismo no Espírito Santo, algo comparável ao que os apóstolos receberam no dia de Pentecostes. Para muitos pentecostais essa experiência está associada ao dom das línguas, que faz com a pessoa fale um linguajar ininteligível, o que, para alguns, seria a "língua dos anjos";
- a importância dada à
revelação direta do Espírito Santo que consistiria em graças concedidas ao homem para entender as verdades e os mistérios da fé contidos nas Escrituras;
- a prática de
batizar somente adultos;
- a crença numa
iminente segunda vinda de Cristo;
-
um rigor moral que proíbe o que pode parecer fútil e mundano, como beber, fumar, dançar, assistir à televisão, especialmente novelas, a frivolidade no vestir, especialmente das mulheres, como cortar cabelo, usar calças compridas, maquiar-se, etc;
- grande facilidade em interpretar como avisos ou
revelações divinas certos acontecimentos da vida;
- visão das
doenças como punições divinas pelo pecado. Não que Deus envie diretamente a doença, mas permite que o diabo a cause como castigo para o crente;
- como conseqüência,
busca da cura da doença especialmente pela oração, a ponto de alguns crentes mais radicais envergonharem-se de ir ao médico ou de tomar remédios;
- daí é possível entender a grande
importância dada à presença de Satanás e aos esforços para derrotá-los através de exorcismos.
As igrejas pentecostais são as que mais crescem
Estatísticas recentes mostram que aproximadamente 70% dos protestantes do Brasil pertencem a denominações ligadas ao pentecostalismo e o número de seus adeptos continua crescendo.
Segundo algumas projeções, no fim do século, os membros de todas as denominações pentecostais serão cerca de 250 milhões, concentrados especialmente no Terceiro Mundo. As explicações
para esclarecer esse extraordinário crescimento são complexas.
Os motivos poderiam ser de ordem sociológica: vivemos numa época de transição, de uma sociedade agrária, tradicional e autoritária, para um sociedade urbana e, portanto, industrial, moderna e democrática. Para alguns autores, a adesão a uma comunidade pentecostal representaria a recusa dessa urbanização forçada por parte de pessoas que acabam de deixar o campo e se sentem confusas.
Um pastor de uma igreja evangélica: "jeito novo de comungar com Deus" |
Elas optariam assim pela segurança que uma religião autoritária, como são as pentecostais em geral, lhes garante. Para outros autores, a adesão a uma dessas novas religiões seria um gesto de afirmação pessoal, uma escolha democrática contra um sistema tradicional imposto, rígido, como era o estilo de vida da cultura camponesa. Os dois motivos, que tentam explicar uma mesma situação, parecem contraditórios. Talvez o primeiro sirva para explicar a adesão ao pentecostalismo de algumas pessoas, o segundo, de outras.
Outros motivos são de ordem psicológica. Sempre tendo como pano de fundo a urbanização e a vida nas grandes metrópoles que massificam e despersonalizam, essas novas religiões oferecem a possibilidade de viver em comunidades menores, onde as pessoas se conhecem, onde é claro o papel de cada um e onde o senso de pertença a um grupo é muito forte, o que significa proteção contra o isolamento e as ameaças da grande cidade. Afinal, toda pessoa humana precisa de uma comunidade que a escute, lhe dê calor humano e ofereça sustento, especialmente nos momentos de crise.
Há ainda motivos de ordem pastoral: as religiões pentecostais valorizam a dimensão religiosa da cultura popular, a sede de Deus que o povo tem. As práticas religiosas do pentecostalismo estão muito enraizadas na cultura popular e em sua maneira de expressar-se religiosamente. Usando uma linguagem popular, tanto verbal como não-verbal, oferecem a todos a possibilidade de realizar uma experiência de Deus particularmente profunda, onde todos podem sentir-se sujeitos e não simples espectadores. Por vezes, a Igreja católica não teria respondido a essa sede de Deus de muitos de seus membros.
Isso por muitos motivos: pela escassez de clero e de agentes de pastoral suficientemente preparados, pela falta de um sentido comunitário na estrutura paroquial, pela frieza e pelo formalismo que se nota freqüentemente na liturgia, pelo pouco ardor missionário de seus membros, por uma formação bíblico-catequética, geralmente superficial, de muitos fiéis, por uma catequese muitas vezes teórica e desatenta à vida de todos os dias. Houve quem dissesse que uns dos motivos do afastamento de alguns fiéis, nos últimos tempos, e da fuga para as religiões pentecostais seria também a pregação altamente politizada de alguns padres e agentes de pastoral, o que pode ter levado os mais desavisados a pensarem que nas igrejas se falava de política e não de religião.
A essas causas, que dizem respeito especialmente à situação do Brasil, podem-se acrescentar outras, como as que já indicamos no começo deste trabalho e que se referem, em geral, à expansão dos novos movimentos no mundo.
O fenômeno é complexo e vários são os fatores que podem explicá-lo. Possivelmente, nenhuma das causas acima expostas, isolada, consiga explicá-lo de forma suficiente. Ao mesmo tempo, talvez nenhuma dessas mesmas causas seja totalmente alheia ao mesmo fenômeno. Portanto, poderíamos dizer que, em proporção diferente e conforme os lugares, todas essas causas juntas oferecem a explicação mais completa sobre o fenômeno do vertiginoso crescimento das seitas pentecostais.
O movimento pentecostal no Brasil
O desenvolvimento do protestantismo no Brasil foi constante durante todo este século. O número de protestantes está em contínuo aumento, devido, praticamente, ao grande incremento que tiveram as igrejas pentecostais nas últimas décadas. Houve
um protestantismo de imigração, que começou em 1823 com a vinda dos colonos protestantes, alemães na maioria, e que ficou limitado às regiões de cultura alemã;
um protestantismo trazido pelos missionários estrangeiros, em geral anglo-saxões, a partir de 1853, e também nesse caso os resultados foram limitados.
Enfim,
o protestantismo de matriz pentecostal, iniciado em 1910, que começou a ter uma difusão maior e que a partir de 1950, com o nascimento das primeiras denominações brasileiras, aumentou de maneira significativa, a ponto de assumir o caráter de uma "explosão", como se pôde constatar nos últimos vinte anos. As cifras são claras: os protestantes eram 1% da população em 1890, 2,6% em 1940, 3,3% em 1950, 5,2% em 1970, 6,6% em 1980 e 8% em em 1991.
Até 1950, o protestantismo de matriz pentecostal estava reduzido a três principais organizações religiosas de matriz americana:
Assembléia de Deus, Congregação Cristã do Brasil e Igreja do Evangelho Quadrangular. A partir dessa data, começou a se impor um pentecostalismo autônomo, com matriz brasileira, independente do exterior. As seguintes quatro Igrejas se impuseram:
-
a Igreja Brasil para Cristo, fundada em 1956 por Manoel de Mello, substituído depois da morte pelo filho Paulo Lutero de Mello e Silva;
-
a Igreja Deus é Amor, fundada em 1962 por Davi Miranda;
-
a Igreja Casa da Benção, presumivelmente fundada em 1974 e
-
a Igreja Universal do Reino de Deus, fundada em 1977 por Edir Macedo.
O sucesso das igrejas pentecostais pode ser, em parte, explicado também pelas crises, de várias formas, das igrejas históricas tradicionais, especialmente a católica.
A migração de fiéis da Igreja católica para as evangélicas atingiu 64% da população: parece haver algo nas Igrejas tradicionais que faz com que as pessoas não se sintam mais atraídas por elas.
A Assembléia de Deus
Esse movimento foi o primeiro a originar-se do pentecostalismo. Nos primeiros anos do século, formaram-se comunidades ( ou congregações ) pentecostais não organizadas em movimentos. Foi em 1914 que, em Hot Spring (EUA), reuniram-se umas centenas dessas comunidades com seus pastores numa assembléia geral e resolveram formar uma só entidade que foi chamada justamente de "Assembléia de Deus".
Os primeiros missionários dessa Igreja que vieram ao Brasil foram dois suecos: Gunnar Vingren e Daniel Berg. O primeiro, na Suécia, pertencia à Igreja batista mas, quando foi para os Estados Unidos, recebeu o batismo no Espírito Santo, o dom das línguas, conforme suas próprias palavras, e a sensação constante da presença de Deus dentro de si.
Os membros do movimento recém- formado sentiam-se chamados a anunciar a Palavra de Deus em outros países, exatamente como Paulo e Barnabé, em Antioquia, sentiram-se chamados a anunciar Cristo entre as nações. Dentre eles destacavam-se, pelo ardor missionário, Gunnar e Daniel que, durante uma reunião, ouviram, muitas vezes, numa mensagem em língua estranha, a palavra "pará". Pensando que isso indicasse o lugar para onde o Espírito Santo queria enviá-los, consultaram vários mapas e descobriram que as palavras desconhecidas indicavam um Estado no Brasil, na região amazônica. Assim, em 1910, vieram para cá anunciar a mensagem pentecostal. Naquela época, as comunidades pentecostais ainda não se tinham reunido na Assembléia de Deus, fato que aconteceu só em 1914.
As características do movimento
Pelo que foi dito até aqui e pelo que se encontra nos depoimentos dos primeiros missionários da Assembléia no Brasil, tornam-se evidentes algumas características desse movimento: dar muita importância a avisos, revelações e sonhos que influenciam o comportamento futuro e as escolhas que seus adeptos fazem. A religiosidade que propõem dá muita importância ao aspecto afetivo, à sugestão, às emoções. Interpretam com muita facilidade os acontecimentos como intervenções milagrosas de Deus.
Igreja Universal do Reino de Deus. Fachada de templo em S. Paulo |
Isso pode ser visto na narração que Daniel Berg faz de algumas circunstâncias a respeito de sua viagem ao Brasil: "Deus confirmou que devíamos ir para o Pará. Se ainda houvesse qualquer dúvida, esta desapareceria dias mais tarde, quando o irmão Vingren, durante um de seus longos passeios de meditação, ouviu claramente uma voz que lhe falava ao ouvido, dizendo:
"Se forem, nada lhes faltará". Vingren voltou-se rapidamente para ver quem falava, mas não viu ninguém. Era o Senhor a confirmar a chamada. Não ficamos surpresos ao saber que havia dois lugares no navio que não foram ocupados. O Senhor havia preparado todas as coisas até aquela hora, de modo que tínhamos a certeza de que ele cuidaria também dos lugares no navio. Compramos as passagens e embarcamos".
A Congregação Cristã do Brasil
A Congregação Cristã do Brasil é outro movimento do grupo pentecostal, fundada pelo italiano Luigi Francescon, imigrante nos Estados Unidos. Antes de aderir ao movimento pentecostal, o fundador foi presbiteriano e batista. Suas atividades religiosas começam com a organização de comunidades entre os colonos italianos dos Estados Unidos. Em 1909 e 1910, fez uma viagem à Argentina e ao Brasil e aqui fundou sua primeira congregação pentecostal em Santo Antônio da Platina (Paraná), também entre imigrantes italianos que, até 1935, ficou restrita às pessoas dessa origem, mas em seguida abriu-se a todos.
Igreja Universal do Reino de Deus. Fachada de templo em S. Paulo |
As caracteríticas do movimento
A Congregação Cristã do Brasil apresenta algumas características que a distinguem de todas as Igrejas de matriz pentecostal:
- há menos participação emotiva, menos agitação em suas reuniões: ambiente é de seriedade;
- seus membros evitam o título de pentecostais e também a colaboração com outras correntes do protestantismo;
- são muito severos quanto ao comportamento das mulheres e sua apresentação exterior, não permitindo roupas curtas nem cortar o cabelo;
- não gostam dos membros que se sobressaem, preferindo os humildes e até os pouco instruídos, pois dizem que Jesus pregou a humildade e a simplicidade;
- chamam o batismo no Espírito Santo de "promessa do Espírito Santo";
- não gostam de manifestações espalhafatosas, como pregação nas ruas, pelo rádio ou pela TV. Tudo é feito em seus cultos e pelo trabalho de convidar parentes e amigos a freqüentarem suas igrejas ou através da conversa e contato individual com as pessoas que encontram nas ruas, no trabalho, em viagens;
- como todas as denominações do ramo pentecostal, têm muita facilidade em interpretar como intervenções divinas ou até mesmo milagres os fatos comuns de sua vida.
A Igreja do Evangelho Quadrangular
A Igreja do Evangelho Quadrangular foi fundada pela canadense Aimée Semple McPherson, que antes foi batista e depois se tornou pentecostal.
O ponto principal dessa nova doutrina é um trecho do livro do profeta Ezequiel (1, 5-12) que teve uma visão de quatro animais com forma de homem, de leão, de touro e de águia. Esses mesmos animais teriam sido, posteriormente, interpretados como símbolos dos quatro evangelistas: o homem para Mateus, o leão para Marcos, o touro para Lucas e a águia para João, devido a uma semelhança entre eles e as características de cada evangelista. Aimée McPherson foi além e pensou que os quatro animais representariam quatro títulos de Jesus Cristo: o homem significaria o salvador, o leão, o batizador; o touro, o médico e a águia, o rei que voltará. Daí o nome de Evangelho Quadrangular. A nova doutrina alastrou-se rapidamente pelos Estados Unidos e pela America Latina.
Essa nova denominação tem uma finalidade missionária muito forte e marcante; aliás essa é uma característica comum a todos os movimentos de origem pentecostal. Diz um trecho da Declaração de Fé da Igreja do Evangelho Quadrangular: "Evangélica na mensagem, internacional no projeto, é composta pela união dos fiéis cristãos que se congregam para a promoção do evangelismo no mundo e a pregação do Evangelho Quadrangular do Reino: Jesus Salvador, Batizador, Médico e Rei que voltará".
Os primeiros missionários dessa nova Igreja chegaram ao Brasil em 1951 e começaram a pregar em S. João da Boa Vista, SP. Em sua atuação e pregação procuram evitar toda forma de exagero emocional. Eles têm obras assistenciais, dão auxílio econômico e ajudam a obter emprego.
As novas igrejas pentecostais no Brasil
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O uso da mídia eletrônica como a televisão está sendo um meio de propaganda muito usado pelas igrejas pentecostais |
Todas essas Igrejas surgiram do descontentamento de um grupo com uma Igreja matriz de tipo pentecostal. O fenômeno continua. No Brasil também surgiram movimentos novos que se separaram de suas Igrejas pentecostais de origem e que se difundem com muita rapidez, encontrando - com grande facilidade e a cada dia - novos adeptos.
Esses movimentos se distinguem pelo fato de se
apoiarem muito mais nas emoções que suscitam entre seus seguidores do que na razão; todos dão
muita importância e ênfase ao mesmo tempo à
maldade de Satanás, que age livremente no mundo,
e ao poder de cura que Jesus lhes dá; são fortemente
proselitistas e agressivos contra a Igreja católica, as Igrejas protestantes tradicionais, os cultos afro-brasileiros e o espiritismo. Entre eles, destaca-se, hoje, no Brasil:
A Igreja Universal do Reino de Deus
Entre as igrejas que se formaram do ramo pentecostal, a que mais se afirma hoje é a Igreja Universal do Reino de Deus, fundada por Edir Macedo Bezerra, no Brasil, em 1977. Edir Macedo queria ser professor, mas abandonou os estudos universitários. Atormentado por problemas de depressão, procurou conforto na Igreja católica e, em seguida no espiritismo e nos terreiros de umbanda.
Não encontrando alívio nem resposta a seus problemas, aderiu à Igreja Pentecostal Nova Vida e ali ficou até 1974, quando, com um grupo de companheiros, fundou a Igreja Cruzada do Caminho Eterno. Em 1977, após um desentendimento com alguns de seus companheiros, fundou com Romildo Soares e Roberto Augusto Alves, a Igreja Universal do Reino de Deus, no Rio de Janeiro. Atribuiu a si o título de bispo e pediu a Roberto Augusto que o sagrasse. Em seguida, tanto Roberto Augusto como Romildo Soares separaram-se e Edir Macedo, único dos fundadores, ficou na liderança da Igreja recém fundada.
Características
Entre as pessoas que aparecem às sessões de culto da Igreja Universal, a maioria vive problemas de vários tipos. O culto visa principalmente a oferecer a essas pessoas alguma solução para esses problemas que as atormentam.
A Igreja Universal oferece, para isso, rituais diferenciados para as situações que afligem a maior parte das pessoas, em suas três dimensões fundamentais:
- problemas de trabalho, como, por exemplo, desemprego e questões financeiras;
- vida familiar e amorosa;
- saúde.
Os rituais das reuniões comunitárias levam os fiéis a rezar por uma ou outra dessas intenções, conforme os dias da semana. Uma das idéias-mestras da Igreja universal é que o diabo é, praticamente, a causa única e última de todos os males que nos afligem, praticamente, o bode expiatório por tudo que de mal existe no mundo.
Somente uma vitória sobre ele, seu afastamento ou expulsão das pessoas, que têm seus corpos infestados pela presença de um ou vários demônios, pode permitir-lhe paz, tranqüilidade e bem-estar. Os pastores desta Igreja consideram-se competentes e treinados para exorcizar o demônio que habita nas pessoas que a eles recorrem.
Para garantir o exorcismo, não é suficiente o trabalho do pastor: é necessária a colaboração do fiel, colaboração que é dada através do pagamento do dízimo, considerado uma obrigação, pois, fazendo isso, devolve-se a Deus o que é de Deus, e da oferta, dada além do dízimo: essa não é obrigatória, mas é uma condição para receber com mais facilidade os dons almejados.
Os pastores são mestres na arte de pedir, convencer e até forçar o povo a dar dinheiro.
Edir Macedo tem o dinheiro em grande estima: "O dinheiro é uma ferramenta sagrada que Deus usa na sua obra", disse uma vez numa entrevista ao Jornal da Tarde.
Nota-se um grande interesse da Igreja Universal no serviço ao homem, no atendimento para tentar resolver seus problemas. Esse interesse é prioritário e parece mais importante que a manifestação de adoração e de louvor a Deus.
A Igreja Universal volta-se contra todas as religiões tradicionais, inclusive as protestantes, e especialmente contra a religião católica.
Uma estatística de 1996 atribuia à Igreja Universal 3,5 milhões de fiéis, 7 mil pastores, milhares de assistentes voluntários, ou obreiros, 2 mil templos no Brasil e 225 no exterior, em 34 países, 2 canais de televisão, a TV Record e a TV Rio, emissoras de rádio, jornais, uma agência de turismo e um Banco, o Banco de Crédito Metropolitano. Não é pouco para uma Igreja que começou em 1977 com poucas dezenas de fiéis.
O mal e Satanás vistos por Edir Macedo
Numa entrevista concedida à revista Veja de 6 de dezembro de 1995, em que falava sobre sua Igreja, Edir Macedo comentou também sobre as características do demônio, conforme é visto pelos adeptos da Universal. Eis, a seguir, alguns trechos da entrevista:
Exorcismo na Igreja Universal |
"Existe um espírito que só atua na destruição do lar. Você pode verificar isso a partir das etapas que o casal enfrenta na vida. Esse espírito normalmente vem dos pais. Se eles são divorciados, o mesmo espírito que destruiu o lar dos pais vai destruir o lar dos filhos, dos netos, dos bisnetos. Isso é uma herança maldita. Ele passa de pai para filho por todas as gerações, até que a pessoa tenha um encontro com Jesus. Aí, corta-se toda a maldição.
Existe o espírito da prostituição ( prostitutas, homossexuais) e de enfermidades. Este faz a pessoa se manter doente por toda a vida. Por exemplo, a epilepsia é causada por um espírito. Há muitas pessoas que foram curadas da epilepsia sem medicação, apenas por influência da 'libertação'.
Essa força maligna, que toma a mente e faz a pessoa ficar louca, perturbada e toma o coração, essa força causa raiva, ódio, doenças. Há pessoas que têm feridas nas pernas que não cicatrizam nunca. Por quê? Aquilo é um espírito que está alojado ali. Aquilo é um espírito. Aqueles que têm dor de cabeça constante, daquelas que não há médico que descubra a causa...pois bem, isso é o espírito. A pessoa que tem uma dor de estômago, mas o médico não descobre a causa, isso é um espírito. Todas as pessoas que sentem dores, vão ao médico e ele não consegue diagnosticar nada, estão tomadas pelo demônio. Essas são doenças espirituais. E quando o problema é espiritual, não há medico que consiga resolver".
Para sua reflexão
1. Em sua análise pessoal, quais as características e os problemas do povo brasileiro, em geral, que favoreceriam a busca de Igrejas "milagrosas"?
2. A indústria cinematográfica encontrou no diabo uma fonte de excelentes lucros: "O Exorcista", "O Bebê de Rosemary", "A Profecia", entre muitos outros, fizeram sucesso. Procure assistir a um desses filmes com um grupo de colegas ou amigos e analisar, objetivamente, os efeitos psicológicos que produzem. Tentem conversar a respeito disso com um psicólogo.
3. Entrevistem um sacerdote católico, um pastor da Igreja Universal e um da Congregação Cristã do Brasil a respeito do mal. Comparem as respostas e confrontem-nas com as opiniões de seu grupo de estudo ou reflexão.